Meio Ambiente

A criação de animais para consumo é ambientalmente desastrosa. Uma das formas mais eficazes de mudar os nossos hábitos em favor de um meio ambiente mais saudável e equilibrado é, sem dúvida, adotar uma alimentação vegetariana.

Veja, de maneira bastante simples e resumida, o impacto ambiental positivo de tirar a carne do prato mesmo durante apenas 1 dia.

A atividade pecuária exerce enorme pressão sobre quase todos os ecossistemas da Terra. Por exemplo, um estudo recente (2018) publicado na revista Science 1, com colaboração de mais de 130 autores e envolvendo 119 países (dentre estes o Brasil), demonstra que a produção de carnes (incluindo porcos, frango e peixes cultivados), ovos e laticínios usa 83% das terras cultiváveis do planeta (para pastagens e produção de ração) e é responsável pela maioria das emissões de gases de efeito estufa provenientes da produção de alimentos, embora forneça apenas 18% das calorias consumidas globalmente. Desmatamento, perda de espécies, poluição das águas e desequilíbrios nos ciclos de nutrientes (principalmente de nitrogênio e fósforo) dos ecossistemas são alguns dos efeitos ambientais colaterais da atividade pecuária, além dos alto níveis de emissões de gases de efeito estufa frequentemente enfatizados. No Brasil, por exemplo, um estudo elaborado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Agência Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ), mostrou que para cada R$ 1 milhão de receita da pecuária bovina, são gerados R$ 22 milhões de impactos ambientais 2. Já as operações de abate e processamento de animais em geral custam ao Brasil, em danos ambientais, 371% a mais do que a receita que geram. No caso da aquacultura, a porcentagem sobe para 388% 2.

Recentemente, no entanto, um possível efeito benéfico da pecuária em termos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa têm sido divulgado. Ao contrário do que concluído pela maioria dos estudos acadêmicos sobre os altos níveis de emissão (por caloria ou gramas de proteína) gerados na produção de alimentos de origem animal 3,4, alguns setores argumentam que ruminantes criados em pastagens poderiam contribuir para o sequestro de carbono da atmosfera e sua fixação no solo. Possivelmente um dos estudos mais citados neste sentido seja o de um grupo de pesquisadores brasileiros e escoceses, publicado em 2016 5. O estudo propõe que o aumento na produção de carne bovina, ao contrário do que se poderia esperar, poderia reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ao invés de aumentar. A explicação para este fenômeno, também postulada por outros estudos, seria a de que “se a demanda por carne aumenta, mas a taxa de desmatamento é mantida constante, os produtores serão incentivados a recuperar pastagens degradadas e isso [recuperação de pastagens degradadas] faz com que se tenha mais sequestro de carbono no solo” 6.

Cenário de Referência

Estudos como o citado anteriormente frequentemente utilizam como referência (como cenário base) áreas já degradadas, com estoques baixos de carbono, aquém de seu potencial. Ora, após degradação de uma determinada área (com consequente perda de seus estoques de carbono), não é difícil imaginar que a pecuária tenha o potencial de recuperar parcialmente o solo degradado e permitir a incorporação de carbono no solo. Desconsidera-se frequentemente o legado da pecuária nas áreas estudadas (seu impacto prévio ao período de análise), ou seja, o fato de que foi frequentemente a própria atividade pecuária a responsável pela degradação dos ecossistema analisados: a abertura de pastagens foi, historicamente, o principal agente antropogênico de desmatamento e perda de carbono para a atmosfera. É interessante notar que o parágrafo § 3º do art. 225 da Constituição Federal dispõe que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Recuperar um serviço ambiental degradado pela própria atividade pecuária seria, de acordo com a constituição, uma obrigação. Divulgar a recuperação ‘parcial’ como um benefício é, assim, no mínimo falacioso.

Considere o cenário simples descrito a seguir: imagine que “minha atividade econômica” (uma atividade qualquer), feita sem um bom plano de manejo, esvaziou um reservatório de água e o deixou a 5% de sua capacidade. Quando impossibilitado de explorar outros reservatórios, eu desenvolvo então um plano de manejo para o uso da água deste reservatório, através do qual consigo elevar ao longo de 10 anos o nível do reservatório de 5% para 15% de sua capacidade original (capacidade esta a máxima dada a natureza do meu negócio). Se perguntado sobre os benefícios de minha atividade para a preservação dos recursos hídricos, digo que minha atividade “é benéfica e deveria ser estimulada de forma geral, já que pode restaurar água aos reservatórios, aportando mais água a estes do que a água que consome”. Os problemas deste raciocínio são claros:

  1. a referência de comparação obviamente não pode ser a do reservatório já exaurido (a 5% da capacidade) pela minha própria atividade, mas o potencial original do reservatório antes desta, ou mesmo o potencial do reservatório conseguido através de outras atividades econômicas alternativas;
  2. minha atividade não irá consumir menos do que o que repõe de água ao reservatório indefinidamente: quando o reservatório atingir o equilíbrio para minha atividade (neste exemplo, 15% da capacidade), não haverá mais ‘sequestro/captura’ de água para o reservatório;
  3. o fato de que consegui recuperar “parte da água perdida” não significa que esta recuperação é suficiente para o correto funcionamento do ecossistema e outras atividades que dependem do reservatório;
  4. conseguir a recuperação parcial da água em um reservatório não significa que isto é possível em outros reservatórios, ou em larga escala (ou seja, os resultados não podem ser generalizados para outras condições).
  5. É natural que o sequestro de carbono no solo pela atividade pecuária possa ocorrer se partimos de um cenário onde a terra já está degradada, ou abaixo de seu potencial, e passa a ser mais bem manejada. Isto não quer dizer que o potencial de mitigação das emissões necessariamente compense a perda de carbono pela retirada da vegetação nativa, ou que seja suficiente para que se possa atender a demanda de alimento existente com concomitante sequestro de carbono, ou mesmo que seja maior, ou mais eficiente, ou economicamente mais vantajoso do que aquele obtido através de outros atividades econômicas e usos da terra, associados à capacidade máximo de retenção de carbono no sistema maiores 7. Além disso, o potencial de sequestro através da recuperação de áreas degradadas é limitado temporalmente, até o sistema atingir a capacidade máxima de estoque de carbono no solo para a pastagem considerada. Neste momento, o sistema deixa de sequestrar carbono, mas as emissões provenientes dos rebanhos continuarão a existir.

Portanto, a demonstração local, e temporalmente restrita, de que determinadas áreas de pastagens podem sequestrar carbono de forma alguma alteram as conclusões de que o potencial para reduzir as emissões do setor pecuário é maior através de mudanças nos padrões de consumo (redução no consumo de carnes) do que através de medidas de mitigação na cadeia de produção. Em uma das análises mais abrangentes feitas até hoje sobre os impactos da pecuária no planeta e na atmosfera, os pesquisadores mostram que os mesmo aqueles os produtos animais de menor impacto ambiental excedem, em muitos casos substancialmente, o impacto de seus substitutos vegetais de valor nutricional similar 1.

Generalizações Inválidas

A constatação de sequestro de carbono através do manejo de pastagens é limitada às condições iniciais da área considerada, bem como a condições locais como precipitação, características do solo e da composição da pastagem. Embora pastagens bem manejadas possam, em alguns contextos, sequestrar carbono no solo, em larga escala as emissões geradas por estes sistemas são superiores ao que pode ser sequestrado. Estimativas globais do potencial de sequestro de carbono através do manejo de pastagens variam entre 0,3 Gt CO2/ano até 0,8 Gt CO2/ano, o que poderia compensar apenas de 20 a 60% das emissões provenientes dos sistemas de pastagem, os quais por sua vez representam apenas 4–11% das emissões totais da pecuária 7–9.

Além disso, ainda que pressupondo um aumento na produtividade, tais sistemas não teriam capacidade de atender a demanda de proteína atualmente existente, muito menos o aumento previsto na demanda de carne com o crescimento populacional e de renda previstos para as próximas décadas. A fração atual de animais criados em pastagens bem manejadas, sem o aporte de insumos externos (ex. fertilizantes, ração, suplementos, energia fóssil), cujas densidades de animais por área são sustentáveis, é extremamente baixa .

Finalmente, há de se considerar que a atividade pecuária afeta o ambiente de inúmeras outras formas além de seus impactos sobre as emissões de gases de efeito estufa. Além do uso ineficiente da terra comparado à outras fontes de proteína (como leguminosas) e consequente perda de habitats e espécies, a pecuária contribui para os processos de erosão do solo, para a contaminação da água e para a alteração dos ciclos de nutrientes do planeta (principalmente nitrogênio e fósforo). Portanto, a extrapolação de que o possível sequestro de carbono (como vimos, restrito a algumas áreas, por algum tempo) torna a atividade pecuária ambientalmente benéfica é falaciosa.

Algumas propostas de mitigação das emissões do setor pecuário se concentram na intensificação dos sistemas de criação, ou na substituição de carne de bovino por carne de animais monogástricos criados intensivamente, como o frango, cuja produção está associada à níveis de emissão de gases de efeito estufa mais baixos. Ignoram-se com frequência, porém, vários dos custos relacionados à tais medidas. A transferência de animais para sistemas industriais de criação vem associada à necessidade de produzir ração para alimentá-los. Devido à ineficiência energética na produção de carnes, ovos e laticínios (ou seja, a quantidade de calorias e proteínas ingeridas pelos animais é maior do que a quantidade por eles produzida), grandes extensões de terra (bem como de recursos hídricos e fertilizantes) são usadas de forma ineficiente para a produção de cultivos destinados à alimentação de animais criados de forma intensiva. Sistemas intensivos de criação também são frequentemente responsáveis por níveis elevados de poluição das águas e do solo. Além disso, a contribuição de sistemas intensivos (tanto terrestres como aquáticos) nas emissões de metano é alta 1,10, porém frequentemente ignorada.

Questões éticas também são ignoradas. Ganhos de produtividade frequentemente provém da seleção e desenvolvimento de linhagens de crescimento rápido e/ou produtividade mais alta – comumente associadas a uma alta incidência de problemas ósseos, de articulação, dentre outras disfunções anatômicas e fisiológicas associadas à dor e sofrimento crônico. Outras medidas comuns incluem o confinamento dos animais em altas densidades, com privação de movimentação, locomoção e expressão de comportamentos naturais. Medidas paliativas (como a remoção de dentes, bicos, caudas e chifres) para evitar a mutilação em ambientes caracterizados pelo estresse crônico são comumente empregadas. A manutenção dos animais em condições de bem-estar precárias também aumenta sua susceptibilidade a doenças e o risco de transmissão de zoonoses – combatidos com o uso rotineiro de antibióticos em grandes quantidades, procedimento este associado à emergência de cepas resistentes a antimicrobianos na população humana (um dos maiores problemas de saúde global atualmente).

Finalmente, ganhos de produtividade costumam ser acompanhados por quedas de preço e aumento subsequente na demanda, o que pode anular parcial ou totalmente os benefícios ambientais – e redução no nível de emissões – alcançados.

Frequentemente se enfatiza o papel dos ruminantes no ciclo do nitrogênio e, em particular, seus efeitos benéficos na fertilização do solo através do depósito de esterco. No entanto, apesar do esterco fornecer nitrogênio (e outros nutrientes) aos solos, é preciso enfatizar isto não há adição de nitrogênio “novo” ao sistema. O nitrogênio do esterco, e seus outros componentes, não surgem ‘do nada’. O que ocorre é simplesmente o restituição do nitrogênio que foi consumido pelo gado através da ingestão da pastagem cultivada localmente, ou do alimento importado de outro local. Mais do que isto, há perda de nitrogênio neste ciclo, na forma de leite, carnes e carcaças que são exportados, além das perdas por escoamento aos cursos de água 7.

1. Poore, J. & Nemecek, T. Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science 360, 987–992 (2018).

2. CEBDS Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit The Federal Ministry for Economic Cooperation and Development TRUCOST. Natural Capital Risk Exposure of the Financial Sector in Brazil. (2015).

3. Springmann, M., Godfray, H. C. J., Rayner, M. & Scarborough, P. Analysis and valuation of the health and climate change cobenefits of dietary change. Proceedings of the National Academy of Sciences 113, 4146–4151 (2016).

4. Springmann, M. et al. Options for keeping the food system within environmental limits. Nature 562, 519–525 (2018).

5. de Oliveira Silva, R. et al. Increasing beef production could lower greenhouse gas emissions in Brazil if decoupled from deforestation. Nat. Clim. Chang. 6, 493 (2016).

6. Aumento na produção de carne pode diminuir emissão de gases de efeito estufa. Available at: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/9068334/aumento-na-producao-de-carne-pode-diminuir-emissao-de-gases-de-efeito-estufa. (Accessed: 5th August 2019)

7. Garnett, T. et al. Grazed and confused?: Ruminating on cattle, grazing systems, methane, nitrous oxide, the soil carbon sequestration question-and what it all means for greenhouse gas emissions. (FCRN, 2017).

8. Henderson, B. B. et al. Greenhouse gas mitigation potential of the world’s grazing lands: Modeling soil carbon and nitrogen fluxes of mitigation practices. Agric. Ecosyst. Environ. 207, 91–100 (2015).

9. Herrero, M. et al. Greenhouse gas mitigation potentials in the livestock sector. Nat. Clim. Chang. 6, 452 (2016).

10. Wolf, J., Asrar, G. R. & West, T. O. Revised methane emissions factors and spatially distributed annual carbon fluxes for global livestock. Carbon Balance Manag. 12, 16 (2017).